2 de abril de 2011

Para refletir

Eu, etiqueta

Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, premência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-lo por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer, principalmente.)
E nisto me comprazo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar,
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo de outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mar artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.

(Carlos Drummond de Andrade)


    Bom dia!!! Mensagem de sábado para refletir. Eu adoro o Carlos Drummond de Andrade, mas acho que nesse texto ele usou a palavra moda de forma equivocada, pois, para sermos aceitos em nossa preconceituosa sociedade, precisamos nos vestir de forma semelhante (o que não significa de forma igual). 
    Não é isso que irá retirar a nossa identidade, já que cada um interpreta a moda da sua maneira, com o seu olhar. Claro que, aqueles que modificam todo o guarda roupa a cada troca de estação, são, sim, vítimas de modismos e de tendências, tornando-se propagandas ambulantes. Devo ressaltar que usar a moda com inteligência (aderindo a idéia de consumo consciente - da conta bancária e do mundo em que vivemos!) é, certamente, uma ótima maneira de se mostrar ao mundo com muita personalidade (e de dizer quem você é com muito estilo, afinal não é preciso vestir-se com "sacos de batata" para afirmar-se diferente)!!!! Bom sábado mamães!

2 comentários:

  1. Deixa eu divulgar no meu face? Deixa deixa! haha tá tão legal!!

    ResponderExcluir
  2. Adorei a parte final, em que você disse que não precisamos nos vestir de "sacos-de-batata" para mostrarmos que somos diferentes! hahaha
    Conheço essa frase! =)

    ResponderExcluir